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domingo, 17 de outubro de 2010

A carta



Não era esperada.
Ela chegou assim, de repente, como uma borboleta pequena que pousa na janela. Na verdade, eu estava na varanda, balançando em minha rede como há muito não fazia. Quando dei por mim, aquele moço de amarelo em sua bicicleta e do olhar escondido pelos óculos escuros, sem me dizer muita coisa, me entrega uma carta.

De quem? Não me atreveria a dizer. Uma letra alongada e de traços firmes e seguros, escrevera meu nome num envelope.

A carta falaria de boas novas? De tragédias? De sorte, como um bilhete premiado? De azar, como uma multa de trânsito? Não. Quem quer que tenha escrito, me queria falar de maneira informal. Aquela letra dizia que o que iria ser dito necessitava de aconchego e beleza.

Estava selada pela cola branca e seu envelope era pardo. Pardo como um envelope velho que viajara por muito tempo. Não diria que estava ansiosa. A ansiedade necessita de um tempo para ser cultivada, na espera por algo. Essa ocasião foi tão surpreendente que tudo o que me restava era a curiosidade.

A carta fora escrita pela mesma letra caprichada. Seu autor não tinha pressa. Fora delicado do começo ao fim. Seu início causava certo estranhamento e, ao mesmo tempo, aumentava minha sede em desvenda-la. Pois apenas dizia: "Ainda com pressa?"

Nem eu saberia dizer de que pressa se tratava! Eu não tenho pressa...

A pessoa me escrevera sobre o presente, de uma maneira extremamente intrigante. Parecia ver coisas tão óbvias, mas tão perdidas sob o nosso olhar desleixado, cotidiano. Me questionava sobre meu voto da primavera passada e me dizia que a escolha nacional não tinha tinha tido sucesso. Mas que teríamos a oportunidade de transformar a realidade de nosso erro. Logo mais.

Falava de trabalho e de como todos havíamos nos enganado ao achar que ele era mais valioso do que as outras partes da vida. Me pergunta, parecendo muito chateado e neste ponto o traço ficava mais fino, como se ele perdesse força, como pudemos olvidar o real papel do dinheiro e do emprego. Pergunta às mulheres modernas se se lembram do momento em que o pai de seus filhos tornou-se o trabalho e se elas eram realmente felizes. Perguntava aos homens se lhes vinha à memória o momento em que destruição tinha se transformado em vantagem.

Mas me perguntava, pessoalmente, o quê eu andava fazendo...

"Como assim?" - pensei. Eu ando fazendo algumas coisas... Estudando, investigando, mirando, escrevendo, tocando, vasculhando... Uma vida infinita de gerúndios. Poderia "gerundiar" (para o pavor de muitos) o dia inteiro.

Mas a carta me questionava para além. Ela me cutucava com perguntas sem respostas, me perguntava o que eu achava da vida e das pessoas, o que eu faria do meu trabalho, que nome eu daria aos meus futuros filhos, onde eu iria morar, que carro eu teria ou não, o que comeria pela manhã... Um bilhão de perguntas incompreensíveis!
No último parágrafo, senti como se um desconhecido me olhasse perturbadoramente nos olhos, quando li: "São todas perguntas que você se faz."

Assustada com a veracidade daquela frase, neuroticamente, me perguntei como um desconhecido poderia saber aquilo, justamente aquilo! Que não compartilho com ninguém!

Mais embaixo, as palavras que me esbotearam com luvas de pelica. As perguntas certas não deveriam ser essas, mas aquelas que me perguntassem o que eu poderia fazer agora. Quem eu era agora.

Parei de me perguntar. Parei só pra pensar. E num cantinho quase escondido da página vi uma assinatura pequena, como só ela poderia ser. E num cantinho quase escondido da página, lia-se:                     Vida.   

  

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Veja bem, meu bem...

Psiu...

Veja bem, meu bem... Sinto te informar que arranjei alguém pra me confortar.


Este alguém está quando você sai e eu só posso crer, pois sem ter você nestes braços tais.



Veja bem, amor. Onde está você? Somos no papel, mas não no viver.


Viajar sem mim, me deixar assim. Tive que arranjar alguém pra passar os dias ruins.




Enquanto isso, navegando vou sem paz. Sem ter um porto, quase morto, sem um cais.

E eu nunca vou te esquecer amor, mas a solidão deixa o coração neste leva e traz.



Veja bem além destes fatos vis. Saiba, traições são bem mais sutis. Se eu te troquei não foi por maldade.


Amor, veja bem, arranjei alguém chamado... "Saudade".







terça-feira, 5 de outubro de 2010

Anulei meu voto.

Eu anulei um dos votos a que tinha direito no último domingo.

Apesar de ser comum para algumas pessoas, eu não tenho preferência por esta opção. Prefiro saber que participei das decisões que dariam rumo melhor ou pior ao país. Mas me vi obrigada a anular um de meus votos ( e poderia até ter anulado mais), por não achar candidato algum que considerasse merecer meu voto.

Não cumpri minhas obrigações políticas, eu admito. Mas na hora H, quando me sentei para pesquisar e juntar o que já havia conversado com algumas outras pessoas, parei, angustiada.

O número de candidatos não era pequeno, mas eu não consegui escolher e decidi anular esse direito.
É, mas considero que também é meu direito dizer que ninguém pareceu merecer meu voto e achei que seria tão injusto se eu concedesse esse poder que tinha em mãos a qualquer um!

Uma sensação de responsabilidade foi o que me fez votar nulamente.

Protesto? Talvez. Frustração? Com certeza...