Pesquisar este blog

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Tristeza, por favor vá embora...

Dias tristes existem. E eles não precisam, necessariamente, ser desencadeados por algo específico. Sãos dias apáticos, sem sol, sem chuva, sem brilho, sem cheiro de terra molhada. São dias de arrependimentos, são dias de desamparo. Dias em que tudo o que se quer é que ele chegue logo ao fim, na esperança de que o próximo será sempre melhor. E se o dia melhor não vier? E se já tivermos perdido a possibilidade de sermos felizes, ainda que nos digam que isso é improvável?

Dias assim são dias sem amores. Dias de perjúrio. Dias de mentira.
Estou escutando músicas que, em outros dias me fariam bem, mas hoje só presto atenção nas letras tristes e mesmo que o ritmo acolhedor do samba esteja presente, ele só consegue me abraçar como quem diz: "Seja bem-vinda. Aqui é permitido chorar."
Não é nenhum desolamento. Não tive uma grande perda recente. Apenas acordei sentindo que estou vulnerável à dureza da vida e que minha proteção habitual não está comigo hoje. Dias de perigo. Dias de desamparo. O desamparo do bebê que chora sem ser atendido.
Dias em que as lágrimas brotam sem motivo. Mas eu tenho dias em que a alegria me chega sem aviso prévio do mesmo modo que a tristeza me chegou hoje. Devo não ter sido grata o suficiente.

Acho que o jeito é esperar. Porque os dias de alegria súbita acabam. Esses dias de tristeza devem passar também. HOje o cheiro é de cansaço e de pele molhada.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Cheiro de terra, cheiro de humor, cheiro de momentos, cheiros...




Você já deve ter sentido isso. Qualquer um que tenha o olfato minimamente preservado já sentiu algo parecido antes. São os cheiros. Esse poder, essa magia que nos penetra de forma invasiva (ou não) e que não podemos impedir sua entrada. Quando menos se espera, nós já estamos em contato. 
É como acordar com cheiro de café. Cheiro de pão fresco.


É dormir sentindo um perfume de roupa de cama limpa ou de cheiro de banho do companheiro ao lado. Cheiros sutis... Desses que por vezes nem tomamos conhecimento de que nós os percebemos, a menos que sintamos sua falta. 
Sei de um perfume, registrado em minha memória como o cheiro da tia Helena, que não partilha mais desse plano conosco. E eu nunca tinha me dado conta do cheiro dela, até que ela se foi. 




Cheiro de pessoas específicas. Cheiro de mãe, cheiro de pai, de irmão, de amigo.
Cheiro de amores....
Cheiros que trazem saudades. Que podem trazer também as lágrimas....





Cheiros que me gostam muito: cheiro de terra molhada, cheiro de cabela lavado, cheiro de chá, cheiro de travesseiro de fronha trocada, cheiro de colo, cheiro de uma linda noite, cheiro de amor. Cheiro de laranja, cheiro de uma plantinha que tem na frente da casa do Léo, que eu acho que é dama-da-noite, cheiro de jasmim, a única flor da qual me agrada o perfume. Cheiros de recordações. Cheiro de livro novo, cheiro de gasolina - não me pergunte porquê! - cheiro de pão de queijo, cheiro de bebê.

Belos cheiros. Sim, porquê eles são sinestésicos. E há quem diga que pode vê-los! Não duvido, sei que existe e sei que dos transtornos que se pode ter, esse é um dos que julgo mais poético...

Há cheiros menos queridos, como cheiro de cachorro molhado, que às vezes nem vem do pobrezinho!
Cheiro de prisão. Cheiro de hospital. Cheiro daqueles manicômios - os que tanto tentamos extinguir. Há quem diga que são cheiros agradáveis a alguém, de tão familiares que se tornam. A mim me lembra cheiro de urina. Não acho legal, mas denunciam um problema e é, das formas de intervenção, a que mais marca. Aquela que impregna o nariz e a memória. Aquela que, inacreditavelmente, não há como conter! Cheiro de doença, cheiro de suor, cheiro de mau humor. 

Sejam eles bons ou ruins, o fato é que os cheiros, apesar de esquecidos por nossa razão, está intrinsecamente relacionada aos nossos processos inconscientes. Essa afirmação não tem validade científica, por isso não transcrevam nada disso em um documento oficial. No entanto, reflitam comigo. É mais comum ouvir alguém dizer: "Essa música me lembra ...", "Essa imagem, essa cor, me lembra..." Mas é mais difícil ver alguém dizendo "Esse cheiro me lembra...". Não é impossível, é incomum. A alguns vem mais forte que pra outros, mas essa é só mais uma possibilidade de ser e estar no mundo, nesse mundo cheio de sons, imagens e cheiros. Não odores. Cheiros.

Fica a dica: prestem atenção nos cheiros. Porque, sendo mais sutis, podem ser também mais reveladores...


terça-feira, 2 de novembro de 2010

Sobre "Tropa de Elite 2"




Tropa de Elite 2 saiu e eu vi. Na minha opinião, bem melhor que o primeiro. Mais preocupado, eu diria, com a responsabilidade pela comoção que gerou. No primeiro filme, eu quase era linchada quando dizia que discordava da postura do BOPE e que ficava preocupada em ver como a população em peso aderiu a moda da "tropa osso duro de roer" e de como algumas corporações a internalizaram.

Fazer um filme, uma música, uma tela é muito mais do que "fazer arte". A arte tem a capacidade de inflamar multidões, de criar novos conceitos, de instalar medos, de transformar mentes. Os "arteiros" todos têm enorme responsabilidade em suas mãos e é por isso que acredito que os produtores do segundo filme da série tenham percebido tamanha responsabilidade ao mudar de foco. Agora não basta entrar arrasando na favela. É preciso pensar em política pública. É preciso pensar na segurança de muita gente e na sua também.

A atuação brilhante de Wagner Moura mais uma vez rouba a cena e faz com que muitos brasileiros se reconheçam em sua dor, em sua angústia e em sua ira. Arrisco-me a dizer que, em um cinema lotado, não houve sequer um homem ou uma mulher que não se sentisse vingado em alguns momentos do filme ou que não sentisse o gozo pela queda do outro. E me incluo aqui.

Quem acompanha este blog já deve desconfiar de qual seja a minha postura perante a humanidade, mas confesso que deixei todas as minhas crenças cristãs e políticas de lado para dar lugar à pulsão de morte que há em mim quando o assunto é injustiça. E quando há política e polícia envolvidas nisso... a ira toma conta de mim. 

E foi isso que vi refletido em muitos dos que assistiram ao filme junto comigo: o gozo por ver um poderoso de alto escalão sendo chutado por tamanha covardia e mau caráter que o pertencia. Ñão posso negar. Apesar de não achar que a violência resolva muita coisa, eu sei que ela "soluciona" uma: faz com que nosso ódio tenha lugar, nem que seja no cinema, por um personagem fictício (ou não tão fictício assim...)

Mas o problema da pulsão é que, uma vez extravasada, essa energia volta ao seu estado habitual. É como um orgasmo: tem um pico e retorna ao cotidiano. E as pessoas conseguem então, ao acenderem as luzes, se levantarem, tomar uma cerveja e ir pra casa. Muito bem, obrigada.

No entanto, algumas mentes inquietas fazem jus à responsabilidade da arte e saem com vontade de tentar fazer diferente. Muitas não conseguirão, penso eu. Mas outras farão algo pelos que estão mais próximos de maneira muito real. Não tentarão limpar as favelas dos traficantes, não pensam em acabar com o tráfico de drogas e, o mais difícil de tudo, livrar o país da corrupção, essa maldita lepra que corroe os nossos bolsos e nossas vidas e que são parte de nossa política. De modo bastante real, se colocarão à serviço da comunidade com o que puderem. Liderarão um time de futebol na escola do bairro, ensinarão teatro e música para a moçada interessada, ajudarão com aulas de reforço de matemática, montarão grupos de terapia comunitária, farão oficinas de como escrever um currículo, onde encontrar cursos profissionalizantes, montarão cursinhos pré-vestibulares, ou ainda, sentarão na praça para ouvir o que os jovens tem a dizer. Sobre o que pensam do futuro, qual é o seu projeto de vida, qual a história de cada sujeito, cuja vida passa despercebida aos olhos de todos, às vezes até dos seus próprios...

Não vim escrever uma crítica ao filme, no final das contas. Vim pra dizer a todos os que assistiram e ficaram com a mesma sensação que eu, que não puderam simplesmente se levantar da poltrona como se tivessem desembarcado novamente em seu mundinho depois de uma viagem sinistra, que não deixe que essa sensação passe pela sua vida sem frutos. Que não seja apenas um momento de explosão da sua pulsão de morte. Se não quiser fazer nada parecido com o que eu propus acima, ajudaria muito se você ficasse atento às movimentações políticas da sua cidade, do seu estado e de seu país. Por que, por mais que você não tenha votado no candidato que ganhou, ainda é sua responsabilidade ficar de olho no que ele faz com o seu e com o meu dinheiro. Com a sua e com a minha vida.

Capitão Nascimento teve que se tornar Secretário de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro para perceber que o buraco é mais embaixo. Que não se resolve tudo subindo na favela e matando todos os bandidos. O que nós precisaremos para tomarmos como nossa a responsabilidade de cuidar do que é nosso por direito?