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quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Foi tudo tão rápido e assustador. Em um momento tudo estava quieto, escuro, cheio de calor. No outro, estava sendo empurrado à força, totalmente contra a minha vontade em direção à alguma coisa que me queimava os olhos. Mas o pior eram os gritos... Ouvi um som que me dava uma sensação muito ruim... Como se estivessem me machucando com o som. Ora muito agudo, parecendo que iria estourar meus ouvidos; ora um urro tão grave que me pressionava o peito com força imensa. Não foi uma boa primeira impressão.

Eu deveria ter desconfiado... Em meio a toda a calmaria do meu lugar de origem, eu comecei a sentir que não era bem-vindo. Houve uma vez que achei mesmo que estavam tentando me expulsar, mas algo parece ter dado errado e eu continuei onde estava. Não consigo me lembrar ao certo onde tudo começou... Só sei que um dia senti.

Mas nada se compara ao dia em que tudo isso aconteceu... Quando o som-dor chegou até mim eu senti que meu corpo inteiro parecia rejeitar aquela situação. Como se não fosse pra ser assim. Como se aquela fosse a maior dor do mundo. Me senti sendo envolto por uma película e eu nada podia fazer, porque não era dono dos meus movimentos. Estava totamente vulnerável... Dali, só pude sentir meu corpo sendo jogado em uma água gelada, e não sei descrever o quanto era fétida. Mescla de coisas podres. Comida podre, planta podre, restos podres, sentimentos podres.

Eu não pensava mais. Só me desesperava! Não havia outra sensação, nem outro sentimento que não o de medo!! Não pensando, foi que me agarrei a qualquer coisa que estava ao meu alcance, lutando para colocar meu nariz para fora, lutando por um pouco de ar. Para falar bem a verdade, eu nem sei porque estava me apegando tanto àquilo tudo, porque não tinha motivos, meus primeiros minutos nesse lugar tinham sido abomináveis!

A água forte... O frio... O fedor... A dor... Eu quase desisti... Quando alguém grande, com lágrimas nos olhos, me tirou dali.

Essa é a minha curta história até agora. Eu só tenho desamparo e três dias de vida.




Inspirado na notícia do telejornal, que contou a história de um bebê que foi encontrado no esgoto, agarrado a um bocado de lixo, sendo arrastado aos poucos pela "correnteza"...
Não quis escrever sobre minha indignação desta vez, pois esta não é a primeira vez que escuto história semelhante, mas foi a primeira em que chorei ao imaginar a cena. Resolvi tentar descrever a dor, mas não cheguei nem perto...

sábado, 12 de fevereiro de 2011

"Só a bailarina que não tem..."



Metáfora perfeita para a menina perfeita, a bailarina clássica me parece ter trejeitos sempre doces, passos sempre exatos, traços sempre delicados... Em suas roupas esvoaçantes e seu aspecto esguio, são capazes de esconder todo o esforço necessário para se fazer um salto impecável e os pés massacrados por horas à fio de ensaios. De alguma forma, no palco só se vê a sua glória e não seus sacrifícios.

Falo hoje da bailarina da forma mais convencional, da bailarina que dança o Lago dos Cisnes e que ficou imortalizada na memória popular como a leveza encarnada. E para ilustrar o que venho tratar aqui no blog me vem iluminar a  lembrança a canção Ciranda da Bailarina, do Chico Buarque e do Edu Lobos, em contraponto ao filme Cisne Negro, indicado a 5 prêmios da grande celebração cinematográfica de Hollywood.

No filme, a bailarina "perfeita" se vê perseguida por ilusões e fantasmas que entendemos aos poucos, ao longo do filme, quem são. Uma mãe extremamente castradora e enclausurante (se é que esse termo existe), faz com que a jovem permaneça nos seus traços infantis, enquanto uma mulher vai ganhando força dentro dela e fazendo pressão para sair e ganhar forma na vida, no seu tempo que é devido.

Na canção da dupla Buarque e Lobos, vemos uma bailarina como estereótipo da "garotinha meiga" e perfeita que não tem "pereba, marca de bexiga ou vacina", "nem unha encardida, nem dente com comida, nem casca de ferida, ela não tem". O problema é que "todo mundo tem um primeiro namorado", "problema da família" e todo mundo faz pecado, só a bailarina que não. O problema é que tudo isso é muitíssimo normal (e atire a primeira pedra quem não tem calcinha ou cueca meio velha, com elástico frouxo!!)

A fantasia da perfeição, da beleza pueril, da inocência eterna é extremamente perigosa, pois pode ser um tremendo impecilho ao crescimento, ao amadurecimento. A ciranda da bailarina canta isso de uma forma singela, até mesmo infantil. Já o filme, trata de quão patológica a questão pode se tornar quando o caminho  do amadurecimento não pode seguir seu curso natural.

Aqui no meu bairro toda vez que chove, a enxurrada traça o mesmo caminho: o que era feito pelo rio que passava por ali, antes do asfaltamento das ruas e das casas tomarem conta do terreno. Algumas questões da nossa vida, que nos é impelida justamente porque é da espécie, têm a mesma força. Não adianta tentar mudar o curso, porque ele sempre tentará uma saída que o leve de volta ao ponto original.

Em Cisne Negro podemos ver a força que este tem dentro da bailarina, camuflado por um fraco Cisne Branco, que teve seu momento, mas que já era para ter saído da vida dessa garota há algum tempo. Escondido sob camadas de boleros cor-de-rosa, ursinhos de pelúcia, um tratamento infantil por parte da mãe, uma hora ele "transbordou", como a enxurrada no meu bairro.

Resolvi escrever sobre isso porque vejo tudo isso como uma situação até mesmo frequente. Pra falar a verdade, eu quase fui uma dessas bailarinas. O caminho a mim prescrito pelo Fado me mandou ao curso natural e eu vejo o quanto a Síndrome da Perfeição pode levar à perca da saúde mental e física.



Em nome da juventude, da beleza, da moral,  muitas pessoas já viveram enclausuradas dentro de si mesmas, experimentando a cada dia uma luta devassa contra a natureza de seus corpos, de suas mentes, de seu crescimento, de sua sexualidade. E o filme retrata bem como pode ser dolorosa essa vivência. Como se o corpo fosse um invólucro infame que nos impedisse de sermos congruentes com o que somos de verdade.



No final das contas, quem melhor conta é aquele e aquela que confessa que faz pecado logo assim que a missa termina, que "tem sujo atrás da orelha, bigode de groselha e calcinha um pouco velha", afinal quem não tem? Só a "bailarina"...


quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011


Você sabe o que eu acho da coragem?? Penso que é a coisa mais bonita do mundo e a menos compreendida também. Anda lado a lado com a liberdade, numa parceria que já dura milênios.

Há quem diga que ter coragem é saltar de bungee-jump. Andar a noite por uma ruela escura. Passar a noite no cemitério. E talvez eu concorde com essas pessoas em algum ponto, porque penso que ser corajoso parte de um pressuposto básico: superação. Esta não é uma reflexão original. Alguém já me disse um dia. Só é corajoso quem tem medo. Só se tem coragem se há um medo a ser superado, porque de outro modo como você poderia atestar a sua existência?

Sendo assim, se você tem medo de altura, saltar de bungee jump pode ser um ato muito corajoso. Se você tem pavor de sangue, mas consegue se concentrar o suficiente e não desmaiar para poder socorrer alguém, também. Se lhe é insuportável estar em um lugar com muita gente, mas ainda assim você vai ao aniversário do seu amigo, dá-lhe coragem! Se você pode largar seu confortável sofá e ser voluntário junto à cruz vermelha, isso sim é muita coragem.

"Não existiria som, se não houvesse o silêncio. Não haveria luz, se não fosse a escuridão..." (Lulu Santos)

E não haveria coragem, se não houvesse o medo. Porque sentir medo é humano e até certo ponto é saudável - Darwin esteve aí para nos confirmar isso. O medo não pode ser paralisante, como Lenine e Julieta Venegas cantaram: "O medo é uma linha que separa o mundo. O medo é uma casa aonde ninguém vai. O medo é como um laço que se aperta em nós. O medo é uma força que não me deixa andar." Esse medo que nos impede de caminhar e aprender, que é patológico no sentido de atrapalhar a vida, ele não pode ser permitido.

Lembra do Coragem, o cão covarde?
O nome dele é perfeito! Coragem é um cão super medroso, mas que sempre salva seus velhos donos que nunca percebem ao certo o que está acontecendo, muito menos o perigo iminente! Com o olhar de "cão perdido" e a boca sempre tremendo e mostrando seu dente furado, ele sempre dá conta do recado, superando sua covardia. Desenho animado é aprendizado. Com Coragem eu aprendi que o medo existe para ser superado. Para que possamos ter a oportunidade de sermos corajosos ou covardes.  

Meu medo é o de estar longe das pessoas queridas que fazem do mundo um lugar melhor. Minha coragem se expressa em minha atitude de deixar essas pessoas do outro lado do país para aprender a fazer de qualquer lugar do mundo um lugar habitável e confortável para mim. Como hoje estou muito musical, lá vem mais uma canção de que me lembrei. "Mas tenho meu canto cativo pra voltar. Eu posso até mudar, mas onde quer que eu vá, o meu cantinho há de ir dentro..." (Marisa Monte)

Moçoilos e moçoilas, tenham coragem de fazer valer a nossa condição humana de caminhantes e aprendizes. Eu estou me arriscando mais uma vez a me encontrar por aí. Caminhando por novos lugares e aprendendo com tudo o que me acontece. Não deixe que a oportunidade passe por você e vá embora sem que você tenha demonstrado quão corajoso você é!

Mude de cidade, tenha um filho, tire a habilitação para dirigir, diga verdades, dance do jeito que quiser no meio da pista de dança, torne-se missionário, faça seu mochilão, beije aquela garota, escolha a profissão que você sempre quis, roube a flor do quintal de alguém, doe sangue, permaneça no sofá, encare seu patrão, reúna forças para resistir ao açúcar, diga aos seus pais que você os entende, diga ao seu filho que ele pode crescer, peça perdão ao amigo que você magoou, ouse viver.

 

A vida nos impele à coragem.


P.S.: Impelir: v.t. Empurrar, arremessar, lançar com força, dirigindo para algum lugar.
Fig. Incitar, estimular, induzir, instigar.
Obrigar, coagir, constranger.