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sábado, 16 de julho de 2011



Faz frio na vida. Ele sente e acha bom. Como se ao invés de castigar, o frio cortante o acalentasse. Como se fizesse parte de sua natureza mais remota, intocada, de outra espécie que não a humana. Às vezes até duvida de sua humanidade, mas a reencontra de tempos em tempos quando, ao passear pela rua do centro e atravessar a velha praça, sente um calorzinho incomum vendo uma senhora com seu senhor sentados no banco conversando como se tivessem acabado de se conhecer, tamanho o comprimento do assunto. Mas logo se vê que ali há muitos janeiros compartilhados, pois ninguém que se conhece a poucos dias olha assim com tanta ternura...Vendo isso acha possível pertencer àquela espécie. 

Mas quando anda é quando se sente mais próximo das pessoas. Estranhamente, é quando elas menos parecem lhe apetecer. Passam por ele como folhas que caem da árvore, apressada ou suavemente, apenas passam. No entanto, ele olha ao redor, vê que se confunde com as outras pessoas justamente por ser tão pessoa quanto elas e compartilha desse algo em comum. Pode não falar a mesma língua que elas, pode ter traços completamente diferentes, pode pensar que alguns hábitos são perfeitamente comuns enquanto todas elas consideram abomináveis. Tudo isso o diferencia, mas esse momento do caminhar o aproxima. Ele sabe estar atravessando a multidão como um trem que corta o caminho dividindo-o em duas margens, mas antes de distanciá-lo, pelo contrário, ele pensa ser essa a melhor sensação de unidade possível. Porque sabe ser alguém diferente dos outros, por ter uma composição de DNA que ninguém mais tem e ao mesmo tempo pode ser confundido com tantos!

O caminhar tem essa característica tão mágica: mostrar a quem quiser ver. Porque o caminho, sua forma substantivada, oferece ao caminhante infinitas possibilidades de descobertas, gratuitamente, generosamente e ele só tem que abrir os olhos, todos os olhos que tiver para capturar esses momentos divinos de contemplação.

Todavia, é perceptível que quase tudo é muito efêmero. Quem faz a eternidade é a memória! É ela que define o que fica e o que vai. E o que ele sabe que vai ficar são as melhores coisas que viu no caminho: a cor dourada do brilho dos seus fios de cabelo alvoroçados e a cor rosada de sua bochecha quando está contra o vento e o cheiro que exala quando já não pode conter o êxtase e o belo manuseio de uma colher de pau ao mexer o brigadeiro e a voz suave, que fica mais bonita quando às vezes parece ter roçado a parede e ficado meio rouca e...

...e...


...e...

...e é que já não me lembro. Me perdi na contemplação das coisas bonitas.




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