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quarta-feira, 19 de outubro de 2011

"Sofrer ou não sofrer: temos mesmo essa opção?" ou "Indagações sobre o sofrimento"

O que é o sofrimento? O sofrimento é algo ruim? Digo que talvez sim, e muitos concordarão, geralmente porque ninguém gosta de sofrer (salvo algumas exceções...)

Mas porquê sofremos tanto? Todas as pessoas?! Parafraseando: atire a primeira pedra quem nunca sofreu! Em maior ou menor proporção...

O sofrimento parece atravessar a condição humana. Sofremos ao nascer. Sofremos ao sermos separados do colo e seio maternos. Sofremos ao ficarmos sozinhos na escola pela primeira vez. Sofremos por termos tantas espinhas na cara enquanto há tantos lugares "escondíveis" no corpo. Sofremos por não termos um(a) parceiro (a) aos 30 anos. E listei apenas os sofrimentos que considero de menor escala (mas que, dependendo da situação, é o maior do mundo!).

Mas não é à toa que todos recebem o mesmo título: sofrimento. Porque, seja qual sofrimento for, dói em lugares que nem sabíamos que havia em nós. Dói no peito, bem no meio. Dói na barriga (e não é piriri!). Dói nas entranhas. Dói na cabeça, às vezes de tanto chorar.

Sofrer não é bom. Mas não há ser humano que não sofra! (Ou há?) Eu começo a pensar que o sofrimento é fundante. Sofremos ao termos que abrir mão de coisas caras a nós para viver em grupo. E nós quase sempre vivemos em grupo, mesmo que seja apenas em forma de agrupamento e não de interação.

Talvez o sofrimento da vida seja aquilo que nos permita sentir empatia, pois quando vemos alguém sofrendo somos capazes de "sentir em nós" a dor do outro. A dor não é nossa e nós nunca saberemos como dói no outro, mas sabemos como dói na gente e que machuca pra caramba...

Pessoas se tornam insensíveis quando esquecem a empatia. Assim, dificilmente se sentem tocados pela alegria ou tristeza do outro, pelo prazer ou pela dor do outro. Ou então quando acham que o seu sofrimento é maior que o dos outros. Desse modo, até reconhece que o outro sofre, mas este não chega nem perto do seu sofrimento.

Comecei a pensar sobre isso quando assisti "O Homem do Futuro", com o Wagner Moura (um primor de artista!) em que o seu personagem diz a ele mesmo, numa dimensão em que duas versões dele se encontram: "Só um sujeito mesquinho como você para achar que o seu sofrimento é maior que o dos outros. Todo mundo sofre!" E naquele momento me vi balançando a cabeça concordando.

"Sofrer " é uma categoria quali-quanti. Qualitativamente, sofrimento é sofrimento. Se todos sofrem um dia, então todo mundo se machuca, com maior ou menor capacidade de recuperação. Quantitativamente, uns sofrem mais, outros sofrem menos. No entanto, o único que pode dizer o quanto dói é o próprio sujeito. 
Para alguns, perder a hora justo no dia do vestibular é o fim! Para outros, perder a casa na enchente é lição de vida. As pessoas são muito diferentes e muito parecidas, acredite! "Todos iguais, tão desiguais. Uns mais iguais que os outros...", já dizia Engenheiros. 

Assim que, se sofrer faz parte da vida, então não nos desesperemos com ele, mas aprendamos com ele. Te digo que os sofrimentos que tive na minha curta vida até agora só me fizeram entender melhor como o mundo funciona e de que maneira eu devo me adaptar se quiser sobreviver minimamente a ele. E embora eu entenda pouco dos "porquês" do sofrimento alheio, acho que o meu me capacita a compreender o próximo. 

No final das contas, eu sofro, tu sofres, ele sofre, nós sofremos...

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Das coisas pequenas e infinitamente importantes que a gente descobre quando mexe nos recônditos da alma sem medo de descobrir o que tem lá.



Todas as vezes que entrei na sua vida foi pelo mesmo motivo: ter de você o que faltava em mim. De tudo isso o que você é, tudo isso que eu não fui. Não era. Não sou. E eu nem sabia.

E parece óbvio dizer que todas essas vezes lhe causei dor. Só Deus sabe quanta dor. Foi de você que ouvi: "Você não faz ideia do quanto eu gosto de você", como quem diz: "Ninguém nunca vai te amar como eu estou te amando neste exato momento". E o gerúndio é proposital, para tentar demonstrar a dinamicidade do sentimento que se faz existente junto com a fala.

Mas eu não pude naquele primeiro momento. Nem no outro. Nem no outro. E nem posso agora também, porque o motivo ainda existe.

Este é um texto curto. Existe para além dos meus devaneios e foi inscrito no "papel virtual" em equações binárias (que devem deixar essas poucas letras insuportavelmente matemáticas), porque precisava registrar minha descoberta.
Apesar de insuportavelmente matemáticas, as palavras surgiram só pra dizer que não importa que você ame outra pessoa. Ciúmes é coisa do desejo e o meu é um desejo mascarado. Ele não é real. Ou pelo menos não existe na realidade tendo você por objeto. 

Mas importa que você me ame. De qualquer jeito. Queria que fosse muito menos como amante, muito mais como amiga. Porque o fato de alguém tão especial como você me amar, parece fazer de mim uma pessoa melhor. Me ver amada por você, parece me fazer merecedora de algo genuinamente bonito. " Um bom exemplo de bondade e respeito, do que o verdadeiro amor é capaz". Não é assim que a canção do sonho dizia?

Me perdoem, possíveis leitores deste blog quase abandonado. Mas hoje não pude escrever sobre nada que não fosse a inquietação que gerou este texto. Ainda mais porque o único que poderia compreendê-lo provavelmente não o lerá. Prometo voltar ao normal em breve. 

P.S.: Mas tudo bem se eu não voltar ao normal?

sábado, 27 de agosto de 2011

Ser-no-mundo

Queria escrever sobre algo que fosse importante. Algo que tivesse a ver com o que tenho vivido e descobrir que outras pessoas acreditam no mesmo que eu. Voltei então às minhas próprias crenças: a responsabilidade de cuidar do que se ama. Por que? Ora, porque se você não fizer, quem o fará?

Eu, apesar de tudo, amo as pessoas. Escolhi Psicologia como profissão não foi à toa. Gosto de bicho, sim. Gosto da natureza, obviamente. Mas a minha visão é antropocêntrica, bem impregnada de conhecimento psi. Parto da lente humana para tudo! Se tiver que salvar alguém, salvarei um humano.

No entanto, dizer que tenho uma visão antropocêntrica de maneira alguma dá no mesmo que exaltar a humanidade acima dos demais componentes do universo! Mas é que, apesar da independência do Universo, ele só ganha SIGNIFICADO, depois que a gente o significa, o simboliza. Ele só é realidade para nós, depois que nós dizemos que ele é.

Ao mesmo tempo, nós também só nos fazemos na relação com o mundo! Não existe um homem fora do mundo, totalmente alienado das relações interpessoais, porque se pararmos pra pensar, ao ler um livro estamos nos comunicando com o seu autor. Assistindo a um filme, entramos em contato com toda a gente por trás da sua produção. Se nos deixamos tocar por uma canção, cuja letra nos comove, sabemos que ela é cantada por uma voz humana.

De um ponto de vista gestáltico (da Psicologia da Gestalt), nós realmente só existimos enquanto um "eu" depois do contato com um "outro" que nos descentra, nos põe numa fronteira onde o toque acontece e você se descobre um outro para o outro!!

Porque eu tava falando disso? ... Ah! A visão antropocêntrica! Pois é. Homem e natureza são um só. Homem e universo também. Já ouviram a Zélia cantando: "Não somos mais que uma gota de luz, uma estrela que cai, uma fagulha tão só na idade do céu..." Mas mesmo sendo só fagulha, nós compomos a imensidão. Seríamos importantes só por fazermos parte disso.

Se digo que para mim o importante são as pessoas, também digo que junto à minha preocupação com a humanidade, há também preocupação com o mundo que o suporta. Cuidar do homem é cuidar da sua "Casa", da sua prole, do seu desenvolvimento.

Depois de uma experiência extremamente rica em um intercâmbio em Buenos Aires, com o apoio da AIESEC e a abertura das ONGS's Familia Sur e Mensajeros de la Paz, tenho achado que não estou sozinha na procura de um mundo melhor. E que tem gente fazendo tudo aquilo que ainda não havia tido coragem de fazer: agir. Pessoas que dedicam seus dias a encontrar abrigo, alimentação e carinho pra idosos e crianças.
É preciso cuidar das pessoas, porque elas são o que temos de melhor! Não existiria humanidade sem planeta. Mas existe planeta sem humanidade. O que não existe é "mundo", recheado de significados, sem humanidade. E já que estamos aqui e inauguramos essa face do planeta que só a gente sabe desfrutar, que nos cuidemos bem!

Afinal, da mesma forma que estou disposta a cuidar do que amo, espero que as pessoas que me amam cuidem de mim. Porque todo mundo precisa de alguém que o cuide. Pais, mães, adultos, crianças, idosos, animais, florestas, atmosfera! Todos precisam de alguém. "Adiós" ilusão de ser auto-sustentável e totalmente independente! Eu dependo de muita gente e muita gente depende de mim.

Talvez se aceitarmos melhor essa ideia, que nos parece tão ultrapassada, consigamos nos desprender um pouco da fixação na individualidade e existir enquanto ser-no-mundo responsável por ele.

Existamos então! Sejamos seres-no-mundo! (Heideggerianamente terminando...)






sábado, 16 de julho de 2011



Faz frio na vida. Ele sente e acha bom. Como se ao invés de castigar, o frio cortante o acalentasse. Como se fizesse parte de sua natureza mais remota, intocada, de outra espécie que não a humana. Às vezes até duvida de sua humanidade, mas a reencontra de tempos em tempos quando, ao passear pela rua do centro e atravessar a velha praça, sente um calorzinho incomum vendo uma senhora com seu senhor sentados no banco conversando como se tivessem acabado de se conhecer, tamanho o comprimento do assunto. Mas logo se vê que ali há muitos janeiros compartilhados, pois ninguém que se conhece a poucos dias olha assim com tanta ternura...Vendo isso acha possível pertencer àquela espécie. 

Mas quando anda é quando se sente mais próximo das pessoas. Estranhamente, é quando elas menos parecem lhe apetecer. Passam por ele como folhas que caem da árvore, apressada ou suavemente, apenas passam. No entanto, ele olha ao redor, vê que se confunde com as outras pessoas justamente por ser tão pessoa quanto elas e compartilha desse algo em comum. Pode não falar a mesma língua que elas, pode ter traços completamente diferentes, pode pensar que alguns hábitos são perfeitamente comuns enquanto todas elas consideram abomináveis. Tudo isso o diferencia, mas esse momento do caminhar o aproxima. Ele sabe estar atravessando a multidão como um trem que corta o caminho dividindo-o em duas margens, mas antes de distanciá-lo, pelo contrário, ele pensa ser essa a melhor sensação de unidade possível. Porque sabe ser alguém diferente dos outros, por ter uma composição de DNA que ninguém mais tem e ao mesmo tempo pode ser confundido com tantos!

O caminhar tem essa característica tão mágica: mostrar a quem quiser ver. Porque o caminho, sua forma substantivada, oferece ao caminhante infinitas possibilidades de descobertas, gratuitamente, generosamente e ele só tem que abrir os olhos, todos os olhos que tiver para capturar esses momentos divinos de contemplação.

Todavia, é perceptível que quase tudo é muito efêmero. Quem faz a eternidade é a memória! É ela que define o que fica e o que vai. E o que ele sabe que vai ficar são as melhores coisas que viu no caminho: a cor dourada do brilho dos seus fios de cabelo alvoroçados e a cor rosada de sua bochecha quando está contra o vento e o cheiro que exala quando já não pode conter o êxtase e o belo manuseio de uma colher de pau ao mexer o brigadeiro e a voz suave, que fica mais bonita quando às vezes parece ter roçado a parede e ficado meio rouca e...

...e...


...e...

...e é que já não me lembro. Me perdi na contemplação das coisas bonitas.




segunda-feira, 4 de julho de 2011

Em construção...

Estava aqui pensando com os meus botões... Quem é o homem? Dentre todas as coisas que já pensei sobre isso e que vive mudando conforme a época e as coisas que tenho lido, uma resposta têm me vindo à mente com certa frequência: um ser social. A gente costuma ouvir isso quase como uma lavagem cerebral no Ensino Médio, mas a verdade é que isso tem uma correlação com a realidade observada que me faz parar pra pensar na dimensão de ser um "ser social".

Você consegue se imaginar sem os grupos do qual faz parte? Quando te perguntam quem é você, isso não inclui ser filho de alguém, gostar de determinadas coisas que muito provavelmente muitas outras pessoas também gostem, que estuda em determinada escola ou universidade ou trabalha em um certo lugar? Mesmo que você seja autônomo, você não vende seu produto para determinada clientela? Você não nasceu na mesma cidade que muitos outros já nasceram? Não leu o mesmo livro que muitas ou poucas pessoas já leram? Não gosta de músicas que uma legião de outros fãs também gostam?

Pois bem. Parei para pensar em uma só dimensão que fosse estritamente individual e sabe o que achei?? Nada. Absolutamente nada. Nenhuma crença, nenhum desejo, nenhum objeto. O que significa então ser único? Quando a raposa diz ao Pequeno Príncipe que ele se tornou único para ela, a partir do momento em que a cativou, o que isso significava para ela? Creio que ela dizia respeito a um sentimento de individualidade.
Sobre isso tenho algo a declarar.

Essa sensação de ser alguém único no mundo, de pensar coisas que ninguém jamais pensou, de poder viver à mercê dos outros, de achar que é capaz de viver sozinho e de que não precisa de ninguém é uma sensação produzida. Perguntem por quem e terá uma resposta nada saborosa. Pelos interessados na individualidade! Em quem se interessa pelo fato de todo mundo acreditar que dá pra viver sozinho e que no fundo só o que é meu me importa. Caros leitores, será que não é por isso que a luta pelo que é público (escola, sistema de saúde, praças, eventos...) não gera comoção social? Será? Será??

Muitos "alguéns" fizeram de tudo para que acreditemos que é possível viver à margem dos problemas coletivos. Não, não é assim porque o ser humano é egoísta em sua essência. Eu, pelo menos, não acredito nisso. Acho que tudo o que somos é construção. Se não fosse assim, como alguém poderia ter a ousadia de propor mudanças?

E se tudo é construído, a individualidade também é. A coletividade também é. As representações sobre o mundo também são. E é possível desconstruir tudo também. Se estamos em plena crise, há a grande possibilidade de acabarmos com tudo ou de reformularmos tudo.

Ser social é uma questão que atravessa um milhão de outras questões que nos afligem nesse exato momento. Se teremos água em abundância nas próximas décadas, se teremos segurança para sair de casa, se há solução para a educação e a saúde pública, tudo isso depende de sairmos desse casulo construído pelo capitalismo (sim, ó grande vilão - também construído) e nos movermos rumo ao social.

Vocês podem me questionar sobre o papel da subjetividade e do papel do homem enquanto indivíduo. Eu digo que ela tem a função fundamental de por-se a caminhar e pensar e escolher, mas que também está superestimada. Adivinhem por quê?? A resposta para quase tudo na psicologia caminha pelos rumos obscuros da subjetividade, daquilo que nos é intrínseco. Sempre foi um caminho escorregadio e creio que será assim sempre. (Ou isso também é construído?) Mas se a psicologia enquanto ciência se firmou sobre esses moldes é porque ela também foi constituída em determinado contexto histórico em que se necessitava de uma ciência que explicasse esses incríveis fenômenos que aconteciam com determinadas pessoas e que "nada tinham a ver" com aquilo que era compartilhado socialmente... Essa nova ciência, ávida por corresponder à demanda que suscitou seu surgimento, encontrará explicações. Às vezes torpes, às vezes assertivas, mas sempre dentro de um contexto, um zeitgeist, uma episteme que tornasse possíveis as suas descobertas.

Bom, não pretendo aqui defender a primazia do social, mas sim a via de mão dupla. Sociedade individualista também foi construída, por essa sociedade composta de diversas subjetividades, que por sua vez nasceram da construção social, que... Enfim, já viram que essa é uma bola de neve, né? Caímos no velho "paradoxo Tostines": Tostines é fresquinho porque vende mais, ou vende mais porque é fresquinho?

No entanto, fato é que, já que tudo é construído por nós (sociedade e conjunto de subjetividades) tudo está ainda por fazer. A realidade ainda está para ser formulada, porque - imagine só! - o futuro não existe até que você o faça. Sugiro que tomemos nossas subjetividades (tal qual pegamos um cachorrinho - "Vem subjetividade, vem!"), nos coloquemos a pensar em quem somos de verdade (ser social ou ser individual, apartado do restante das pessoas. Aliás, se você não partilha do mundo das outras pessoas, de que espécie você é?) e propormos um chá da tarde com a humanidade, para pensarmos seriamente no que vamos fazer nos próximos 2000 anos ou simplesmente depois de amanhã, depois que as frutas madurarem...




domingo, 8 de maio de 2011

Esperar e esperar


Existem momentos na vida que parecem valer por todos os outros. Nem todos os dias são de sol brilhante (para aqueles que gostam de sol brilhante), nem de garoa fina (para quem gosta de garoa fina). Há dias sem importância. Não acredito que todos os dias são dias especiais. Acho, sim, que todos tem a possibilidade de serem dias felizes ou desastrosos, mostrando-se dias memoráveis por boas ou más coisas. É improvável, ao meu ver, que se possa ser feliz acreditando que a vida inteira é feliz. Não! Existem dias que torcemos para que acabem logo! Outros em que vamos dormir do mesmo jeito que acordamos. Que nada saltou aos nossos olhos, fazendo a diferença, destacando-se do fundo enquanto figura. O dia simplesmente passou pela gente e não sentimos. Não porque ele não tenha passado, mas porque nós, que somos tempo, não o percebemos. A nossa temporalidade estacionou.

No entanto, também acredito ser verdade que existem dias em que estamos abertos aos detalhes. O brilho do cabelo dela, que nunca tínhamos reparado. As unhas bem desenhadas dele. A quantidade de folhas que aquela árvore perde, formando um tapete amarelado no chão sob ela. Aquele morro que, "possivelmente"  já está ali há muito tempo.
Esses dias ficam marcados na pele. Depois na memória. A minha funciona de maneira estranha. É visual, bem mais que em outras perspectivas perceptivas. Mas se vejo a cena de um filme em que o vento frio está roçando o rosto, eu me lembro perfeitamente do dia em que senti esse mesmo frio no meu rosto e quase posso sentir também minhas bochechas ficando mais rosadas, queimadas pela baixa temperatura.

Esses dias... Ah, nesses dias eu sou mais feliz! E eles fazem todos os outros em que tive que lavar a louça, que tomar banho, que cumprir minhas obrigações em detrimento dos prazeres, fazerem valer a espera!
Porque eu digo a vocês que eu espero. Nada pró-ativo da minha parte, mas sim, eu espero com ansiedade esses dias. Porque eu simplesmente não tenho controle sobre eles! São como cartas de amigos antigos! Você não pode fazer seus amigos que não vê há anos te escreverem, mas um dia eles resolvem escrever e isso nos deixa surpreendentemente felizes!! Pateticamente felizes!!

Juro que o máximo que eu faço é procurar fazer coisas gostosas durante a espera. Eu saio com os amigos, visito lugares que me agradam, me dou um sorvete de presente, escrevo a pessoas queridas, toco uma música nova no violão... E esses momentos vão preenchendo a minha espera. Longe de ser uma busca desesperada por uma felicidade completa e interminável, eles são meus parceiros do dia-a-dia. E eles também sabem que esperam os grandes momentos. Ora! Os fãs dos Rolling Stones podem se divertir infinitamente ao escutar o CD da banda, mas nada, NADA se compara ao show ao vivo! É isso que tenho feito.

Hoje escrevo. Nenhuma obra-prima, mas vou esperando o dia em que a inspiração me invadirá e eu escreverei algo que preste. Assisto TV e aguardo minha mãe no Skype para desejar-lhe um Feliz Dia das Mães. Mas aguardo aquele dia que ficará em minha memória como o dia em que "senti" diferente.
E ele ficará em uma parte de mim que guardo com muito carinho junto aos outros que compõe a vida.

Vai vida...


sexta-feira, 22 de abril de 2011

Caraca! O post de baixo ficou enorme! Vamos ver se vocês se animam a ler...
Talvez seja mesmo como dizem por aí. Quando nos aproximamos do fim, nos lembramos do começo. Aconteceu assim com o fim de namoro, com a conclusão do Ensino Médio, com a viagem ao exterior... E é assim que estou me sentindo ao chegar da celebração da Paixão de Cristo. Para quem não sabe, na Igreja Católica, tão cheia de rituais, como vocês provavelmente já perceberam, todo ano passamos pelo período da Quaresma, que se inicia exatamente após o carnaval, na quarta-feira de cinzas (não no Rio de Janeiro, porque o carnaval só termina no domingo, quando o pessoal se despede dele chorando!). Esse período só termina quando começam os ritos do Tríduo Pascal: a Sexta-feira da Paixão, o Sábado Santo e o Domingo de Páscoa.
Trocando em miúdos: na sexta a gente relembra a morte de Jesus na cruz, no sábado temos o período de luto, em silêncio, mas já celebramos o fogo novo no final do dia, e no domingo - o tão aclamado domingo - celebramos a Ressurreição de Jesus, em uma grande festa.

Após a minha "adolescência espiritual" (chamo assim porque acho que ilustra bem essa época de contestação dos valores, época de colocar os princípios de nossos pais à prova e tudo isso que adolescentes adoram fazer, pagando o preço que pagam), eu estou vivendo um período de aproximação. Hoje olho com muito mais carinho e compreensão para todos os rituais da Igreja Católica. Ainda mais depois de ter aulas com o professor Roberto Bello sobre o papel dos mitos e da eficácia simbólica em nossa vida. Simbolizar é preciso, ainda mais quando temos a "magia" em nossa constituição. É por isso que a Paixão de Cristo hoje me tocou bastante. O porteiro do meu prédio, ao abrir o portão pra mim, me perguntou se eu estava triste. É... Eu estava sim.

Mas como eu disse no início, começamos a lembrar do início no fim. Eu me lembrei de Jesus muito vivo.
Ele deve ter sido uma criança normal. Tão normal quanto pode ser um filho de Deus que ainda não sabe disso. Ele era tão divino quanto todos somos (com a diferença que não fomos concebidos como ele. A nossa concepção teve muito mais sacanagem, com certeza.) Se pouco se fala da infância de Jesus, não me lembro de nada que se refira à sua adolescência. Como era ser um adolescente judeu a dois milênios atrás? Será que já tinha esse caráter contestador de hoje ou isso é só mais uma invenção ocidental? Bom, que a infância e a adolescência enquanto "fase da vida" é construção, eu posso afirmar que sim. Mas se o sentimento de "revisão" e oposição era similar, mesmo que não nomeado, não sei. Mas gosto de pensar em um Jesus de quinze anos carinhoso e inteligente. Talvez só assim ele pudesse chegar a descobrir sua missão na idade adulta. Porque foi capaz de refletir sobre as questões do mundo que o cercavam, de como o homem estava se comportando em sua passagem por ele, e com certeza, garantindo uma formação bastante rica no que diz respeito ao conhecimento espiritual de sua religião. Não sou uma grande estudiosa da Biblia, mas acho que isso tem suas vantagens e desvantagens. Desvantajoso, por que talvez as resposta que eu procuro estejam algumas por lá. Por outro lado, vantajoso, porque eu posso refletir sobre as questões antes de ser influenciada por uma resposta já pré-existente, anterior ao meu processo de construção do conhecimento.

Reparei que escrevi um parágrafo do tamanho do mundo! (Ui! Hipérbole bonita!) Mas prossigamos...

A vida adulta de Jesus, sim, está fartamente narrada no livro sagrado, mas no que diz respeito aos 3 anos de peregrinação e ensinamento até a sua morte. Após uma formação que parece advir de uma dedicação extensa (apesar de eu achar que Jesus nem sabia ler, afinal era filho de camponês, mas conhecia todas as Escrituras de cor), Jesus se mostra em público e é reconhecido como Filho de Deus em seu Batismo, pelas mãos de João Batista, óbvio. (Antigamente era fácil reconhecer as pessoas, já que seu sobrebome era seu ofício ou sua procedência - João Batista, Jesus de Nazaré, José de Aritmateia...)

Dali pra frente Jesus se embrenhou pelo caminho do conhecimento - um caminho quase sempre perigoso. E viveu o que eu chamo de condição humana. Ele caminhou (muito!!) e aprendeu. E mais: ele ensinou. Acho que devo acrescentar isso na minha teoria da condição humana: somos caminhantes, aprendizes e mestres, ao mesmo tempo. Jesus cumpriu essa condição e isso prova que ele foi um ótimo exemplar de humano.
Se viu naquela época um homem diferente. Extraordinariamente inteligente, pois sem instrução acadêmica alguma foi capaz de fazer uso de técnicas discursivas coerentes para se fazer ouvir e captar a atenção de dezenas de pessoas. Teve coragem de enfrentar autoridades e era extremamente autêntico. Se estava feliz, ele dançava. Se estava furioso, ele demonstrava (lembram da cena do templo? Em que ele destrói todas as barraquinhas do povo que vendia na casa do Pai dele? Se ele visse o que a gente faz hoje...). Se estava triste, ele chorava. Se precisava puxar a orelha, não fugia da responsabilidade. Ele puxava.

Há quem diga que ele foi casado com Maria Madalena e a Igreja Católica ortodoxa chuta essa teoria pra longe. Eu, ao contrário, a olho com muito carinho e interesse. Se Jesus tivesse casado e tido filhos eu acharia o máximo! E acharia extremamente coerente, porque tenho certeza que ele era sexuado como todo ser humano. Afinal ele viveu em tudo como nós, menos no pecado. Que eu saiba sexualidade não é pecado. É natureza. Nada mais provável que a paixão de Jesus por Maria Madalena, a mulher que ele salvou. Aliás, hoje na celebração, onde toda a paixão é narrada, algo me saltou aos olhos. Diz-se que Maria, sua mãe, Maria de Cléofas, sua tia, e Maria Madalena estavam aos pés de Jesus na cruz. Logo em seguida, logo no próximo versículo, Jesus entrega sua mãe para o discípulo amado, dizendo: "Mulher, eis aí o teu filho. Eis aí a sua mãe." Sabendo que no hebraico feminino e masculino se confundem com frequência, será que Jesus não estava encarregando sua esposa de cuidar de sua mãe depois de sua morte? Bom, seria um pouco estranho, porque numa sociedade machista, uma mulher cuidando da outra seria o mesmo que nada. Mas João, aquele que dizem ser o "discípulo amado" nem estava na cena! Ai, caraminholas...

O fato é que eu acharia muitíssimo interessante que Jesus também tivesse vivido essa parte de sua humanidade, porque sua divindade estava em sua bondade, em seu carisma, em sua sabedoria, em suas mãos milagrosas, em suas palavras de conforto e de discernimento. Ora bolas! E digo isso com toda a sinceridade que posso ter e vocês podem concordar comigo ou não. Lembrando que isso é só um blog e não um documento oficial, assim que o compromisso que tenho com essas palavras diz respeito somente à liberdade de expressão e à minha cognição.

Apesar de não gostar muito do padre da paróquia que tenho frequentado, hoje concordei com suas palavras na homilia (aquela parte da missa que sucede a leitura do Evangelho e o padre faz uma pregação, que é a interpretação das Sagradas Leituras com os dias atuais). O padre disse que nós celebramos a morte de Jesus, mas o que nos importa mesmo é que ele tenha ressuscitado. E digo mais: importa a sua vida! Em como ele a viveu e como se doou para os seus. Escrevi sobre isso no post sobre o Natal, do dia 24 de dezembro.

As pesquisas em Psicologia Positiva sobre o Bem-Estar e a Felicidade geralmente se interessam pela questão de como as pessoas felizes fazem para serem felizes. Será que elas nascem com um gen da felicidade? Ou elas se tornam felizes ao longo da vida? E se assim for, quais são esses fatores que contribuem para uma vida feliz? Bom, algumas pesquisas relatam que um desses fatores, praticados pelas pessoas que se declaram realmente felizes, é o altruísmo. É o ato de praticar o bem, "desinteressadamente". Coloco entre aspas porque acredito que sempre há um ganho secundário. Na verdade, a felicidade pode ser o maior ganho secundário oriundo da prática do altruísmo. "Fazer o bem, sem olhar a quem", a sua máxima.
Jesus, sabiamente nos dá a melhor receita de felicidade! Nos diz, muito mais através de seus atos que de suas palavras, para sairmos de nosso auto-centro e abandonarmos o nosso egoísmo, pelas outras pessoas. Pelo "próximo". Aliás, o próximo é alguém muito interessante. Quem é o próximo? Espertinho, Jesus responde a essa pergunta com uma metáfora e não com um conceito. Todo mundo sabe quem é o próximo, mesmo que não saiba conceituá-lo. Ele existe enquanto experiência. O próximo existe na experiência e não na abstração. Ponto pra Jesus! Você saberá quem, verdadeiramente é o próximo quando você estiver com ele na experiência. Não adianta dizer que o próximo é o pobre, o mendigo, o vizinho, qualquer ser humano. Não. O próximo se constitui como próximo dentro da relação. Então, não se preocupe. Acho que foi o que Cristo quis dizer quando, ao terminar a parábola, pergunta: "Então, quem é o próximo?" E aquele que havia perguntado dá a resposta certa.

Não preciso contar a história da Paixão e nem quero neste momento. Cabe apenas dizer que Jesus morreu. E não digo que injustamente, apesar de parecer uma heresia. Ele morreu porque cabia à história dele e à nossa. Eu sei lá dos desígnios divinos pra dizer se essa foi a melhor forma, mas foi como aconteceu! E cabe a nós nos perguntarmos se valeu. Pergunte a você mesmo se valeu a pena. A terrível pena da tortura e da morte implacável. Eu me sinto lisonjeada. De uma forma horrivelmente dolorosa, mas sou grata.

Obrigada, Pai três vezes, por ter feito isso por mim e pela humanidade toda. Não merecemos, mas estamos a caminho. Tenha paciência com a gente, chegaremos lá. Te espero no ritual da Ressurreição, pra comemorar a sua vida nova e a nossa nova vida também.

domingo, 17 de abril de 2011

Há mais de um mês fora de casa, eu me deparo com algumas questões que nem sabia serem importantes para mim. É muito estranho essa sensação de não saber que havia um vazio e fico pensando na razão para isso. Talvez porque aquilo que julgava mais importante estava perto de mim: meus amigos e minha família. E de fato, eles são a coisa mais importante da minha vida. A intensidade com que eu os amo não me permitia admitir quaisquer falta. É como uma atitude de ingratidão da minha parte. Como eu poderia admitir que poderia querer alguma coisa a mais? Como poderia ter a audácia de pedir aos céus algo mais? O perigo estava exatamente aí...

Percebi que me faltava o buraco. O buraco do desejo. De alguma forma, passei algum tempo me considerando cheia e isso me incomodava muito, porque não somos seres feitos para estarmos plenos e satisfeitos. Tenho que concordar com a Psicanálise nesse sentido: somos seres desejantes e é bom que continuemos assim. Meu incômodo, minha insatisfação dizia respeito a esse não-desejo. Na verdade, creio nunca ter parado de desejar, mas não poderia dizer qual era meu objeto. Corrijo-me: o que me incomodava era não saber identificar o objeto do meu desejo. Para onde orientá-lo? Um problema.

Comecei a pensar sobre isso quando tive um insight significante (e lá vou eu fazendo misturas de conceitos e teorias...). Percebi que as coisas estavam se encaixando. Na faculdade, o que eu lia em uma disciplina se encaixava perfeitamente na outra; aquilo que lia na faculdade estava acontecendo na vida real; aquilo que eu esperava da vida, vinha bater à minha porta. Tive a estranha e saudosa sensação de que tudo está no seu devido lugar. Tudo está onde deveria estar, porque tudo tem feito sentido! E quando as coisas se encaixam, posso entrar em contato com um inteiro. Uma "inteireza" que há algum tempo eu procurava. E o mais engraçado de tudo: a minha inteireza estava exatamente na existência do meu buraco!! Paradoxalmente, minha inteireza depende do meu buraco estar constantemente aberto e vívido, pronto para a eterna busca de sentido, me impelindo a preenchê-lo com algo novo, me dando ganas e energia, para depois esvaziá-lo novamente e começar tudo de novo...

Sair de casa e da cidade amparada por meus queridos, me fez passar por um processo que deveria ter feito direito na adolescência: me afastar do referencial para então descobrir o que é meu. Não é bem como na adolescência porque não tem sido dramático como costuma ser nessa etapa da vida (acho que o drama eu vivi na hora certa). Tem sido uma descoberta que não dói. Têm sido descobertas gostosas, porque afinal sei que muito do que era dos meus pais é meu também e isso me traz um conforto de estar de volta à casa. Ao mesmo tempo, descobri que outras são totalmente minhas (no que é possível ser original nesse mundo que já viu de tudo) e fico feliz de saber que foi nisso que me transformei. Muito a mudar, mas tudo bem. Porque estou em processo e, o melhor: pra sempre! Eu não tenho mais que esperar que nada aconteça para viver, porque nunca estarei pronta!
Minha amiga Yandra riria de mim ao ler isso e, provavelmente, diria: "Que grande novidade! E você já não sabia disso?" E eu responderia: acho que não! Acho que sabia racionalmente, mas agora eu realmente sei! Tudo o que eu achei que não havia caminhado, eu caminhei! Não na direção que eu esperava, mas não estive parada. Eu caminhei! E pra mim isso significa ter aprendido e ter crescido e ter vivido minha condição humana. Eu sou humana!

Das muitas coisas que tenho aprendido, com certeza terei muito o que escrever. Sendo assim, considerem esse texto, mais como uma pequena introdução, do que um todo "ensimesmado" e fixo. Porque inteiro ele é, mas eternamente cambiável também.

Para todos aqueles que um dia exitaram em sair do casulo, não se preocupem. Quase sempre é uma experiência, no mínimo, interessante e, no máximo... Não há máximo!



Construam a paz.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Foi tudo tão rápido e assustador. Em um momento tudo estava quieto, escuro, cheio de calor. No outro, estava sendo empurrado à força, totalmente contra a minha vontade em direção à alguma coisa que me queimava os olhos. Mas o pior eram os gritos... Ouvi um som que me dava uma sensação muito ruim... Como se estivessem me machucando com o som. Ora muito agudo, parecendo que iria estourar meus ouvidos; ora um urro tão grave que me pressionava o peito com força imensa. Não foi uma boa primeira impressão.

Eu deveria ter desconfiado... Em meio a toda a calmaria do meu lugar de origem, eu comecei a sentir que não era bem-vindo. Houve uma vez que achei mesmo que estavam tentando me expulsar, mas algo parece ter dado errado e eu continuei onde estava. Não consigo me lembrar ao certo onde tudo começou... Só sei que um dia senti.

Mas nada se compara ao dia em que tudo isso aconteceu... Quando o som-dor chegou até mim eu senti que meu corpo inteiro parecia rejeitar aquela situação. Como se não fosse pra ser assim. Como se aquela fosse a maior dor do mundo. Me senti sendo envolto por uma película e eu nada podia fazer, porque não era dono dos meus movimentos. Estava totamente vulnerável... Dali, só pude sentir meu corpo sendo jogado em uma água gelada, e não sei descrever o quanto era fétida. Mescla de coisas podres. Comida podre, planta podre, restos podres, sentimentos podres.

Eu não pensava mais. Só me desesperava! Não havia outra sensação, nem outro sentimento que não o de medo!! Não pensando, foi que me agarrei a qualquer coisa que estava ao meu alcance, lutando para colocar meu nariz para fora, lutando por um pouco de ar. Para falar bem a verdade, eu nem sei porque estava me apegando tanto àquilo tudo, porque não tinha motivos, meus primeiros minutos nesse lugar tinham sido abomináveis!

A água forte... O frio... O fedor... A dor... Eu quase desisti... Quando alguém grande, com lágrimas nos olhos, me tirou dali.

Essa é a minha curta história até agora. Eu só tenho desamparo e três dias de vida.




Inspirado na notícia do telejornal, que contou a história de um bebê que foi encontrado no esgoto, agarrado a um bocado de lixo, sendo arrastado aos poucos pela "correnteza"...
Não quis escrever sobre minha indignação desta vez, pois esta não é a primeira vez que escuto história semelhante, mas foi a primeira em que chorei ao imaginar a cena. Resolvi tentar descrever a dor, mas não cheguei nem perto...

sábado, 12 de fevereiro de 2011

"Só a bailarina que não tem..."



Metáfora perfeita para a menina perfeita, a bailarina clássica me parece ter trejeitos sempre doces, passos sempre exatos, traços sempre delicados... Em suas roupas esvoaçantes e seu aspecto esguio, são capazes de esconder todo o esforço necessário para se fazer um salto impecável e os pés massacrados por horas à fio de ensaios. De alguma forma, no palco só se vê a sua glória e não seus sacrifícios.

Falo hoje da bailarina da forma mais convencional, da bailarina que dança o Lago dos Cisnes e que ficou imortalizada na memória popular como a leveza encarnada. E para ilustrar o que venho tratar aqui no blog me vem iluminar a  lembrança a canção Ciranda da Bailarina, do Chico Buarque e do Edu Lobos, em contraponto ao filme Cisne Negro, indicado a 5 prêmios da grande celebração cinematográfica de Hollywood.

No filme, a bailarina "perfeita" se vê perseguida por ilusões e fantasmas que entendemos aos poucos, ao longo do filme, quem são. Uma mãe extremamente castradora e enclausurante (se é que esse termo existe), faz com que a jovem permaneça nos seus traços infantis, enquanto uma mulher vai ganhando força dentro dela e fazendo pressão para sair e ganhar forma na vida, no seu tempo que é devido.

Na canção da dupla Buarque e Lobos, vemos uma bailarina como estereótipo da "garotinha meiga" e perfeita que não tem "pereba, marca de bexiga ou vacina", "nem unha encardida, nem dente com comida, nem casca de ferida, ela não tem". O problema é que "todo mundo tem um primeiro namorado", "problema da família" e todo mundo faz pecado, só a bailarina que não. O problema é que tudo isso é muitíssimo normal (e atire a primeira pedra quem não tem calcinha ou cueca meio velha, com elástico frouxo!!)

A fantasia da perfeição, da beleza pueril, da inocência eterna é extremamente perigosa, pois pode ser um tremendo impecilho ao crescimento, ao amadurecimento. A ciranda da bailarina canta isso de uma forma singela, até mesmo infantil. Já o filme, trata de quão patológica a questão pode se tornar quando o caminho  do amadurecimento não pode seguir seu curso natural.

Aqui no meu bairro toda vez que chove, a enxurrada traça o mesmo caminho: o que era feito pelo rio que passava por ali, antes do asfaltamento das ruas e das casas tomarem conta do terreno. Algumas questões da nossa vida, que nos é impelida justamente porque é da espécie, têm a mesma força. Não adianta tentar mudar o curso, porque ele sempre tentará uma saída que o leve de volta ao ponto original.

Em Cisne Negro podemos ver a força que este tem dentro da bailarina, camuflado por um fraco Cisne Branco, que teve seu momento, mas que já era para ter saído da vida dessa garota há algum tempo. Escondido sob camadas de boleros cor-de-rosa, ursinhos de pelúcia, um tratamento infantil por parte da mãe, uma hora ele "transbordou", como a enxurrada no meu bairro.

Resolvi escrever sobre isso porque vejo tudo isso como uma situação até mesmo frequente. Pra falar a verdade, eu quase fui uma dessas bailarinas. O caminho a mim prescrito pelo Fado me mandou ao curso natural e eu vejo o quanto a Síndrome da Perfeição pode levar à perca da saúde mental e física.



Em nome da juventude, da beleza, da moral,  muitas pessoas já viveram enclausuradas dentro de si mesmas, experimentando a cada dia uma luta devassa contra a natureza de seus corpos, de suas mentes, de seu crescimento, de sua sexualidade. E o filme retrata bem como pode ser dolorosa essa vivência. Como se o corpo fosse um invólucro infame que nos impedisse de sermos congruentes com o que somos de verdade.



No final das contas, quem melhor conta é aquele e aquela que confessa que faz pecado logo assim que a missa termina, que "tem sujo atrás da orelha, bigode de groselha e calcinha um pouco velha", afinal quem não tem? Só a "bailarina"...


quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011


Você sabe o que eu acho da coragem?? Penso que é a coisa mais bonita do mundo e a menos compreendida também. Anda lado a lado com a liberdade, numa parceria que já dura milênios.

Há quem diga que ter coragem é saltar de bungee-jump. Andar a noite por uma ruela escura. Passar a noite no cemitério. E talvez eu concorde com essas pessoas em algum ponto, porque penso que ser corajoso parte de um pressuposto básico: superação. Esta não é uma reflexão original. Alguém já me disse um dia. Só é corajoso quem tem medo. Só se tem coragem se há um medo a ser superado, porque de outro modo como você poderia atestar a sua existência?

Sendo assim, se você tem medo de altura, saltar de bungee jump pode ser um ato muito corajoso. Se você tem pavor de sangue, mas consegue se concentrar o suficiente e não desmaiar para poder socorrer alguém, também. Se lhe é insuportável estar em um lugar com muita gente, mas ainda assim você vai ao aniversário do seu amigo, dá-lhe coragem! Se você pode largar seu confortável sofá e ser voluntário junto à cruz vermelha, isso sim é muita coragem.

"Não existiria som, se não houvesse o silêncio. Não haveria luz, se não fosse a escuridão..." (Lulu Santos)

E não haveria coragem, se não houvesse o medo. Porque sentir medo é humano e até certo ponto é saudável - Darwin esteve aí para nos confirmar isso. O medo não pode ser paralisante, como Lenine e Julieta Venegas cantaram: "O medo é uma linha que separa o mundo. O medo é uma casa aonde ninguém vai. O medo é como um laço que se aperta em nós. O medo é uma força que não me deixa andar." Esse medo que nos impede de caminhar e aprender, que é patológico no sentido de atrapalhar a vida, ele não pode ser permitido.

Lembra do Coragem, o cão covarde?
O nome dele é perfeito! Coragem é um cão super medroso, mas que sempre salva seus velhos donos que nunca percebem ao certo o que está acontecendo, muito menos o perigo iminente! Com o olhar de "cão perdido" e a boca sempre tremendo e mostrando seu dente furado, ele sempre dá conta do recado, superando sua covardia. Desenho animado é aprendizado. Com Coragem eu aprendi que o medo existe para ser superado. Para que possamos ter a oportunidade de sermos corajosos ou covardes.  

Meu medo é o de estar longe das pessoas queridas que fazem do mundo um lugar melhor. Minha coragem se expressa em minha atitude de deixar essas pessoas do outro lado do país para aprender a fazer de qualquer lugar do mundo um lugar habitável e confortável para mim. Como hoje estou muito musical, lá vem mais uma canção de que me lembrei. "Mas tenho meu canto cativo pra voltar. Eu posso até mudar, mas onde quer que eu vá, o meu cantinho há de ir dentro..." (Marisa Monte)

Moçoilos e moçoilas, tenham coragem de fazer valer a nossa condição humana de caminhantes e aprendizes. Eu estou me arriscando mais uma vez a me encontrar por aí. Caminhando por novos lugares e aprendendo com tudo o que me acontece. Não deixe que a oportunidade passe por você e vá embora sem que você tenha demonstrado quão corajoso você é!

Mude de cidade, tenha um filho, tire a habilitação para dirigir, diga verdades, dance do jeito que quiser no meio da pista de dança, torne-se missionário, faça seu mochilão, beije aquela garota, escolha a profissão que você sempre quis, roube a flor do quintal de alguém, doe sangue, permaneça no sofá, encare seu patrão, reúna forças para resistir ao açúcar, diga aos seus pais que você os entende, diga ao seu filho que ele pode crescer, peça perdão ao amigo que você magoou, ouse viver.

 

A vida nos impele à coragem.


P.S.: Impelir: v.t. Empurrar, arremessar, lançar com força, dirigindo para algum lugar.
Fig. Incitar, estimular, induzir, instigar.
Obrigar, coagir, constranger.


segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Intimidade à la Nissin Miojo: instantânea.

Intimidade. Eu gosto de intimidade, sabe? O que eu detesto são aqueles momentos que antecedem a intimidade. São desconfortáveis para mim, como pode ser aquela filmagem em close que capta exatamente aquela espinha que você achou que ninguém veria sob a camada de corretivo e pó compacto. 
É um tal de não saber exatamente o que dizer, como se comportar... (Será que é por isso que eu estou solteira?!) 

Eu queria pular direto para a intimidade, porque nela eu sei o que fazer! Sei até onde posso ir com a outra pessoa, onde são seus calos, sei que posso rir do meu jeito, sentar do meu jeito, falar do meu jeito. Uma espécie de timidez aguda  assume o comando do meu corpo na maioria das vezes em que me coloco em algum lugar de exposição a desconhecidos.

Mas de certo modo é muito natural que se dê esse processo e cada um o enfrenta como pode. Porém, o fato que me levou a pensar sobre isso foram os primeiros episódios do célebre Big Brother Brasil 548. Eu nem tenho tanto asco como podem ter alguns cults por aí, porque acho divertidíssimo ver como as pessoas se comportam naquela situação, em que os limites entre público e privado definitivamente se perdem da maneira mais radical.  

Nos primeiros dias já tinha gente sentando no colo de outras gentes, tapinha na bunda, abraços calorosos como de irmãos. Como assim?? Que intimidade instantânea é essa? Tão artificiais quanto suco de pózinho de Tutti-Frutti, os moçoilos e moçoilas se dispõe a passar por esse processo tão radical em nome de... Bom, sabe-se lá em nome de quê. Cada um tem seus motivos, muito além da cifra de mais de 1 milhão. Sei lá... Defender a causa homossexual, a negritude, ganhar fama e sair na Playboy, se auto-afirmar para a familia... Eu chuto todos estes!

Mas pudera: se logo de cara você fica meio de lado, não se abre em total sorriso e disponibilidade, você está no primeiro paredão. Povo brasileiro, sabido que só ele, vota naquele que eles não viram, que não criou barraco, que não pegou na bunda de ninguém, que não dançou funk com todo mundo na festa...
E aquele momento de reconhecimento, de colocar as defesas de lado quando se tem uma certa dose de confiança é totalmente atropelado! Minha teoria ainda é muito vaga, mas imagine comigo a superficialidade dessas relações. Nem a pau que eles colocaram todas as suas defesas de lado no primeiro encontro!! Apesar da produção querer colocar um monte de gente diferente, acabar colocando todo mundo que tem um mesmo padrão, um ou outro patinho feio e mesmo assim cair na diversidade humana, é muito estranho isso que nomeei "intimidade instantânea". (Igual a miojo!) 
Vai todo mundo enfrentar esse jogo com muita munição, só que com o maior disfarce de "livre, leve e solto". 


Apesar de achar que, não fosse o reality show editado pela Rede Globo, o Big Brother dava um belo experimento, assentido pelos participantes em busca de tudo aquilo que citei acima e muito mais, não tenho lá grandes problemas com ele. Afinal, graças ao controle remoto, eu tenho o poder de decidir mudar de canal e de ficar aqui com a minha intimidade criada a duras penas, mas totalmente natural, forjada nas vias de fato. Minha preocupação é de até que ponto vale a pena se sacrificar nesse jogo que envolve a sua imagem, o seu nome, as suas relações não virtuais. E até que ponto esse tipo de relação é transportada para aquela vida que não é monitorada por câmeras (pelo menos, não o tempo todo...) Aquela em que os encontros se dão no desconhecimento e constroem pouco a pouco esse lugar gostoso em que a gente põe uns poucos, que é a intimidade...  


quinta-feira, 6 de janeiro de 2011


Já reparou nas conchas? Eu as considero verdadeiros achados marítimos, ainda que possamos encontrá-las na maioria das praias que se visite no Brasil, principalmente as do Nordeste. O que mais me atrai nelas é o misto de beleza e simplicidade. É claro que elas existem em diversos formatos e até de variadas tonalidades, mas elas guardam essa peculiaridade em comum: são belíssimas peças forjadas na simplicidade da natureza, de teor tão cruel em tantas vezes.


Me lembrei das conchas pura e simplesmente porque acabo de assistir pela milhonésima vez o filme baseado no romance de Jane Austin, "Orgulho e Preconceito", desta vez com os comentários do diretor. No final das contas, fiquei com a mesma sensação que ele. Não com o mesmo gosto paternal de quem fala com orgulho de um filho, mas senti exatamente o que ele pretendeu, pontualmente, expressar.


O filme é extremamente simples - e que fique claro que está muito longe de ser simplório. As falas, as expressões faciaise corporais, os cenários. Tudo muito limpo, sequer parece ser um filme hollywoodiano. A autenticidade é sentida em cada cena, que explora os sentimentos dos personagens assim como os do expectador.

O ritmo das cenas longas e de mesmo plano, sem cortes nem montagens, favorecem a sensação de que nossas percepções estão intrinsecamente relacionadas à subjetividade da protagonista. Antes de assistir aos comentários do diretor não havia percebido, cognitivamente, que muitos dos ângulos são produtos dos olhos dela.  Não é difícil se colocar no lugar dela, a partir dessa visão.

Talvez uma das coisas que chamam mais atenção no filme é a fotografia. Embora as paisagens sejam lindas, é a luz que realmente me encanta. A cena em que Darcy e Lizzie se encontram no campo com os primeiros raios da manhã é a que possui a luz mais linda do filme. Como o próprio autor intitula: a manhã mágica. Pura sorte o sol nascer exatamente entre os dois atores... Pura sorte...

O que a luz não é capaz de fazer por uma cena! E não digo apenas das cenas dos filmes, mas das cenas que estão cravadas em nossas lembranças. Não sei você, mas eu presto muita atenção nas luzes do dia e elas dizem muito para mim. Ultimamente, tenho me ligado muito à chegada e à despedida do sol. Semelhante ao diretor, um amigo fotógrafo de uma amiga minha anuncia: "o crepúsculo é a hora mágica da fotografia". Segundo este íntimo desconhecido, todas as fotos ficam lindas sob esta luz. Todas as cenas. Todos os momentos. Todas as lembranças. E pronto, já devaguei demais sobre a luz, enquanto minha pretensão é falar sobre o filme.

A luz é um ponto forte, mas nada como a presença humana para dar vida a todas as cenas. As paisagens naturais são lindas, mas ficamos sempre com a esperança da presença humana, com a qual podemos nos identificar. (Sei que generalizei. Mania minha achar que as pessoas sentem como eu sempre.) As interpretações são fortes, desde o teor cômico até a perspectiva dramática da produção. A família Bennet, a aristocracia muito bem representada, os bailes, as regras, a ansiedade e a angústia de mãos dadas, mas principalmente a relação entre Elizabeth e Darcy.

Muitos olhares. Poucos toques. Uma dança. Nenhum beijo. De um lado ela, cheia de orgulho; do outro ele, impregnado de preconceito. Uma dupla que raramente se encontra gerando bons frutos, precisando ser superada para dar espaço a algo maior e melhor. Mas apenas quando nos tocamos a nós mesmos, bem no fundo e paramos para nos vermos tais quais somos, com todos os orgulhos, preconceitos, visões de mundo, é que torna-se possível enxergar ao outro. E que bom que isso é possível! À duras penas, é verdade, mas alcançável.

Aos que procuram desesperadamente o amor, cometendo todos os equívocos possíveis - como eu - sugiro que a primeira busca, ainda que dolorosa, seja a de nós mesmos. Só assim podemos fazer dessa aventura, uma epopéia, sim, mas simples e belíssima, assim como preconizava Jane Austin em seu romance. 

Talvez por isso me toque tanto este filme, que sou capaz de assistir inúmeras vezes e me encantar em todas elas. A simplicidade de um amor nem sempre muito tranquilo, mas que torna a existência mais bela. A simplicidade e a beleza de uma concha perdida na praia, que de repente, é descoberta por você, que pode passar por milhares delas, mas se abaixar para pegar aquela única que lhe chamou atenção entre centenas. 

P.S.: Poxa vida... Mais piegas, impossível, nesse Janeiro solitário. Mas foi inevitável. 

Aos que aguentaram todo esse açúcar até aqui, uma ótima noite.